Imprevisível como as coisas são. E como são.
Você pode dar partida em seu carro, rodar por umas poucas ruas e atropelar um cão ou pode ver uma linda garota, apaixonar-se e depois vê-la em uma festa ou não.
Pode ser que ache um bilhete premiado daquela loteria que você joga há décadas, esquecê-lo em um bolso de sua calça e desta forma sua esposa o lava e destrói a sua mudança de vida sem ao menos se dar conta.
Ainda babando você aos três anos de idade fica louco de felicidade porque quebrou o seu recorde de embaixadinhas e acaba nem rindo de seu amiguinho que deixou o sorvete cair.
É fantástico o modo como a adolescente frenética usa e abusa do que tem quando os pais a deixaram com uma tia ainda mais louca do que a sobrinha e tiveram que viajar de última hora. Maquiagem escandalosa, roupa bem decotada e salto quinze. O paquera dela acabou não saindo.
É curioso o modo ao qual um marmanjo joga para escanteio a cônjuge e tomando a enésima cerveja joga um vídeo game (de futebol é claro) enquanto aguarda o clássico do domingo. Se o time ganha bebe para comemorar, se perde bebe para afogar a tristeza ou para brigar. E não é que a televisão filha da p*ta para de funcionar no momento exato em que o jogo começaria.
Na pelada de sexta-feira, um feriado por sinal, você acerta um chute com mais ênfase e todos gritam: - Ta chutando bunda de vaca?!!!
E a bola acerta o pássaro, o pássaro acerta o chão, o pássaro entra em decomposição, formigas e urubus o devoram. Um jovem com uma espingarda, treinando a pontaria, acerta o urubu. O som do tiro atrai um policial que o leva para a delegacia por porte ilegal de arma. Ah! Ele também estava dirigindo sem habilitação. Tinha tomado algumas cervejas, mas essa já é outra história.
A esposa de bobs no cabelo e unhas esmaltadas a secar assiste a sua novela favorita, numa narração digna de locutores futebolísticos. O marido quase a cochilar no sofá apenas pena em sexo. Hoje, ainda, será?
Batem palmas lá do portão. São testemunhas de Jeová.
A mãe pede para o filhinho, de apenas seis anos, dizer que não tem ninguém em casa além dele, e ele diz:
- Minha mãe falô, pra mim falah, qui, qui num tem ninguém im casa.
Eles balançam a cabeça indignados e vão em direção a outra casa.
Do alto de uma montanha um teimoso praticante da arte da asa delta decide realizar um vôo em um dia em que o clima não ajudava. No clímax da adrenalina um raio o acerta e o leva desta para uma melhor.
O filósofo procura respostas, o religioso as têm, o agnóstico não sabe de nada, a dona de casa ( -fica queto que eu quero ver o fim da novela) tem o seu mundinho particular, os jovens são loucos e as crianças são o futuro, a esperança de ser tudo o que não fomos e fazer o que é certo ao passo que nós fizemos tudo errado. Todos querem ser crianças mas na verdade são mudanças ambulantes destinadas a um dia não ser nada. Enquanto tudo fica mais velho os museus apenas querem ser berçários ou melhor ainda jardins de infância fadados a uma eterna adolescência.
O advogado ambicioso fuma o seu cigarro e em meio a sua ambigüidade e senso intelectual se indaga:
- Aquele sujeito foi brilhante, mas porque foi dizer que Ele está morto?!
As ruas escondem muitas coisas ao mesmo tempo em que escancaram outras.
O empresário de um poder aquisitivo mediano decide reservar uma noite de sexta-feira para ir com os amigos a um bairro de prostíbulos. E para a sua surpresa quem é que ele encontra lá, quem, quem?
Sua filha, que ele não via há mais de dois anos e nem sabia mais se estava viva ou morta.
Ela estava viva, mas pelo ofício que escolhera para ele estava morta.
Morta para ele mas muito viva para a avó que era a única parente que aquela garota, uma ovelha desgarrada, insistia em visitar. A avó ficava feliz e ria muito com as brincadeiras da neta que sempre a visitava naquele triste asilo ao qual a família a destinara.
O garoto que jogava bola cresceu e agora já tinha vinte e poucos anos e em uma festa (rave) marcada por muitas coisas censuradas conhece uma garota que indo contra o bom senso passa o seu telefone.
Ele para não parecer que está muito afim espera alguns dias para telefonar. Liga mas ela não atende.
Na farra, chega a uma casa da luz vermelha e lá está ela. Começam a namorar e ela abandona aquela vida.
Ele se torna o apaixonado por futebol que é casado com a fanática por novelas.
Concebem dois filhos, a adolescente aloprada e o rapaz de um fim trágico praticante do esporte aéreo.
Um terceiro filho, adotado, recebia o mesmo amor que um filho biológico receberia e futuramente se tornaria um adolescente infrator que gosta de aproveitar a vida sem pensar muito nas conseqüências.
Eles mentem, atendem portas e portões. São adultos, homens, mulheres, idosos, jovens e crianças. Vivem um paradoxo.
Perguntam-se, se tudo tem um fim, qual é o fim do começo?
E lá vão eles, nascem, crescem, reproduzem e desaparecem.