domingo, 20 de setembro de 2009

Corredor


Após uma vida ambígua marcada por percalços encontrava o seu fim nos deslizes de uma sala gélida e solitária apenas esperando o momento exato em que o vil líquido adentraria suas veias e o acompanharia para o outro mundo.
Por enquanto lembrava-se apenas dos fatos mais recentes; havia assassinado uma família inteira em represália a morte de seu pequeno e único filho. Seu vizinho depois de voltar embriagado de um dia de caçadas, empolga-se e acerta um alvo que nunca deveria ter acertado.
Vivia seus últimos momentos e comprovava na pele o mito que muitos pregavam: “A vida passando diante dos olhos em um flash”.
Face a face com a incongruência de saber o que é certo ou errado; de afirmar sem ter convicção, de ter a certeza de que faria tudo novamente mesmo que as conseqüências fossem as mesmas ou na pior das hipóteses até piores.
“A esposa se foi em um acidente de automóvel”
“O que seria a vida sem a razão de viver? Meu filho, minha vida.”
“Parentes que sempre estiveram ausentes, estão aqui hoje. Na presente data...”
“Mulheres, bebedeiras, farras e muito rock n roll no mais alto volume. Coisas que até Deus duvida aconteceram nos tempos de faculdade.”
“A mulher que queria; o emprego que não queria, o filho que era uma das coisas que mais queria, uma vida que ora queria e ora não”
“Em meio ao caos urbano ouço sons que ora parecem uma oração, um mantra, mas na maioria das vezes não passam de simples ruídos e irritante barulho desagradável..”
Um enfermeiro vem com uma folha de papel a ser anotados os pedidos da última refeição, alterações e ou proibições na lista de pessoas autorizadas a assistir a execução e algum último desejo.
Ele apenas rejeitou o papel de um modo desajeitado e meio desanimado ao mesmo tempo, faz um sinal incompreensível, fica cabisbaixo e aguarda.
Senta-se e espera envolto em sua onda particular de pensamentos.
“Por que penso em e quero dormir mais um pouco mesmo sabendo que em pouco tempo dormirei eternamente?”
Minutos lançam a situação a uma nuance lancinante. Desespero, misturado com alívio.
Mulher, filho, família, amigos, festas, farra, loucura, sanidade, princípios, razão.. nada mais existia.
Letalmente, de repente! A vida se vai e não passa inteira diante de seus olhos.

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